O início de uma nova história.
Eu precisava de me afastar. As minhas rotinas ofereceram-me estabilidade, mas passado algum tempo acabaram por rotinar a minha imaginação. Não me sentia inspirado. Estava desligado do entusiasmo inicial que me levou a ler e a escrever em primeiro lugar -a aventura do outro lado da página, a emoção de não saber o que vem a seguir.
Então virei a página. Bem, na verdade, abri uma nova janela no browser e escrevi “What is next?”. Os resultados que surgiram foram na sua maioria sites de gramática e dicionários online. Fechei os olhos, respirei fundo e re-escrevi a minha procura: “Where is next?”. Estava a tentar confundir o algoritmo. Queria que ele me surpreendesse. “Madeira”, foi esta a resposta da internet. E no impulso do momento marquei um voo. Sem planos nem expetativas, fiz a minha mala e o meu destino.
Já no avião abri o meu portátil. Uma nova página em branco manteve-se assim, incólume, durante várias horas. Adormeci e acordei com uma pequena turbulência ainda em frente da mesma página branca e intocada. Os meus dedos chegaram ao teclado e comecei a escrever. Apenas a escrever. O que começou a aparecer no ecrã acabou por ser um dos pedaços de texto mais úteis que alguma vez produzi -uma lista. Uma lista de 5 diretrizes para a minha visita à Madeira.
1. Parar. Não fazer nada e focar-me em mim.
2. Olhar. Dar a volta à ilha e encontrar algo que nunca tenha visto ou sentido antes.
3. Experimentar. Fazer algo que nunca tenha feito antes, sem preconceitos nem desculpas.
4. Ouvir. Escutar uma história sem me projetar nela. Um momento que não seja sobre mim.
5. Escrever. Depois, e apesar de tudo, simplesmente escrever.
Aterrei na Madeira onde o calor e a brisa atlântica me deram as boas-vindas. Do topo das escadas do avião conseguia ver tudo à minha volta. Estava completamente rodeado de um verde luxuriante e, logo depois, o mar. Eu, no centro de uma ilha, no meio do oceano. Uma sensação surpreendentemente libertadora. Chamei um carro para me levar à cidade. Túneis. Mar. Túneis. Mar. Túneis e outra vez o mar, compassavam a minha chegada, apresentando-me a todo um novo ritmo, um pulso que iria sentir na Madeira e em mais sítio nenhum depois disso. O carro parou em frente ao hotel. Na fachada, o nome que se podia ler foi o primeiro momento desta visita que me deu a certeza de que tinha tomado a melhor decisão. Next Hotel, foi isto que a vida tinha preparado para mim.
Naquele momento, só queria deitar-me, deixar a cabeça cair e dissipar-se para conseguir traçar o primeiro ponto da minha lista. Para isso, o self check in foi simplesmente perfeito. Com uma autonomia sem percalços, tratei de tudo no meu telefone, com o qual até abri a porta do meu quarto. Já lá dentro, pousei a mala, liguei-me ao wifi - para imediatamente depois pôr o telefone em modo avião. Queria estar ligado mas nos meus próprios termos. Deitei-me na cama e dormi. Dormi muito. Mais tarde, acordei com alguma fome. Apetecia-me um snack mas não me apetecia conversar. Então desci até ao bar self-service e apanhei uma sandwich de atum em bolo do caco e um sumo fresco. Bolo do caco é um pão típico entre a pita e uma bolinha, que de alguma forma se relaciona com os dois. Estava perfeito. Este hotel, esta conveniência e independência, eram exatamente o que eu precisava.
Na manhã seguinte recebi uma mensagem muito agradável de um elemento da equipa do hotel, a dar-me as boas-vindas via chat da aplicação do NEXT. Respondi-lhe, pedindo algumas dicas sobre a ilha. A resposta foi super amigável sem ser intrusiva, perguntando se nos podíamos sentar para um café e para desenhar um plano. Gostei da ideia. No bar tomámos uma chinesa e num papel assentámos alguns destinos e aventuras em torno da ilha. Mas a minha nova amiga recomendou-me que antes do que quer que fosse, atravessasse a ligação privada do hotel ao oceano, para começar a minha aventura com um mergulho. Aceitei a sua sugestão, o que acabou por ser o início ideal para o meu dia. O azul profundo do oceano fez-me sentir como se tivesse carregado no botão de reiniciar. Saí do mar, com vontade de começar de novo, com sede e fome de algo novo.
Na aplicação do hotel aluguei um carro e fui direito ao topo da ilha, para o Pico do Areeiro. Ali, sobre as nuvens, senti o mesmo que experienciei ao sair do avião. Eu, a ilha e o oceano, ligados. Uma beleza de tirar o fôlego. Lentamente, conduzi para ao lado norte da ilha, em direção a Santana. Seguindo as indicações da minha amiga do hotel e sem pensar muito nisso, marquei antecipadamente um “salto de fé”. Estava completamente comprometido com a minha lista e canyoning pareceu-me ser a aventura que eu nunca teria tido de outra forma. Encontrei-me com a equipa de canyoning perto do início do percurso. Equipámo-nos e depois do briefing de segurança começámos a descer o Ribeiro Bonito. Adoro a simplicidade dos nomes de alguns lugares. Porque era realmente bonito, mas igualmente assustador e desafiante. Perdi a conta às cascatas de onde saltei, desci em rapel por enormes paredes de rocha vulcânica cobertas de musgo, caminhei por entre a mais profundamente verde vegetação - até que cheguei.
E quando digo cheguei, quero mesmo dizer que percorri quase 2 quilómetros por um trail de canyoning, num fato de mergulho e um capacete, para mudar por completo a minha perceção daquilo de que eu era capaz de fazer contrariando a minha imagem de mim mesmo como uma estóica, cautelosa e pouco impressionável pessoa. Porque dei um salto de fé descobri um outro lado de mim. Estava feliz, ainda um pouco entusiasmado, e bastante faminto.
Despedi-me dos meus novos amigos e conduzi de volta ao hotel. Depois de um duche rápido desci para o restaurante do hotel. A fome e a adrenalina ainda dentro de mim estavam a trabalhar em conjunto para me ampliar os sentidos. Estava em modo caçador à procura de comida. Vi umas pequenas frigideiras a sair da cozinha com umas conchas a fumegar. Lapas. Estas criaturas que teimosamente se agarram às rochas, apesar da insistência diária das ondas. Estranhamente, senti uma relação com elas. Por falta de melhor descrição, as lapas parecem-se com caricas. Inspirado pela recente recompensa de ter corrido um risco decidi provar esta lapas. E estavam surpreendentemente deliciosas, especialmente quando acompanhadas de bolo do caco torrado com manteiga de alho. Comi duas doses de cada. Para beber também quis experimentar algo de novo e então pedi a mesma bebida vibrante e colorida que vi em quase todas as outras mesas - poncha. Um cocktail madeirense feito de rum de cana de açúcar e de fruta da ilha, que marcou presença em quase todas as outras histórias que vivi na Madeira. Ponto 2 e 3 foram traçados com distinção. Voltei ao hotel com um sorriso na cara e nem uma preocupação em mente. Não pensei no meu prazo de entrega uma única vez.
Amanheceu mais um dia e no hotel senti um burburinho. Músicos carregavam o seu equipamento, pessoas juntavam-se no lobby, no ar havia uma energia que eu conhecia bem - a eletricidade criativa de pessoas a partilhar histórias e ideias. Encontrei a voz amigável que já me tinha ajudado, e perguntei-lhe o que se passava. A sua resposta foi desarmante: “É sexta-feira. Passa-se tudo.” Ao longo do dia vi pessoas a trabalhar nos seus portáteis, reuniões, encontros, conference calls. Hóspedes e locais partilhavam a piscina e o bar. E música, por todo o lado música. Junto à piscina no rooftop, vi uma das mais impressionantes bandas de blues que alguma vez vi. O guitarrista, que depois conheci no bar, acabou por se tornar meu amigo depois de me contar várias histórias da emocionante e inspiradora tradição de músicos de hotel da Madeira. Histórias de marinheiros e plantações de cana-de-açúcar, personagens únicos que chegaram em cargueiros e aqui ficaram, noites loucas de Carnaval e um miúdo que se tornou o maior jogador de futebol de sempre. Eu só ouvi, a absorver, a música e as histórias, uma poncha de cada vez.
Na manhã seguinte atravessei a passagem para o mar para mergulhar uma vez mais. Na água, olhando para o horizonte, lembrei-me da minha página em branco. Na minha cabeça a página recebeu as primeiras palavras, depois frases, ideias, personagens e uma história. Corri para o meu quarto e a pingar, escrevi. Acabei o meu texto. Enviei um email ao meu editor e depois liguei-lhe, para apresentar a minha demissão. “Vou ficar aqui. Encontrei aqui uma conexão.”
O meu editor publicou a minha história mas não aceitou o meu drama. Ainda tenho o meu emprego, mas todos os anos regresso à Madeira, ao Funchal e ao Next para trabalhar a partir de lá durante alguns meses. A razão é simples -a vida é como um router de wifi. Às vezes é preciso desligar para nos reconectarmos com um sinal mais forte.